quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Precisamos falar de cachos (seja você cacheado ou não)


    Corpo, uma coisa simples que a gente já nasce com. A gente aprende na escola: cabeça, tronco e membros, e em geral é assim mesmo. É algo tão natural que nem parece que algumas pessoas tem que aprender a ACEITAR o próprio corpo - ou certas partes ou aspectos dele. A cor desse corpo, o formato desse corpo, o tamanho, a integridade, as coisinhas que estão grudadas nele.  Para algumas pessoas é muito fácil, pra mim nem sempre foi. E o pior é que ninguém sabe exatamente quem, onde e como começou essa história estúpida de o que é certo, essa coisa de beleza. Só sei que antes mesmo de eu ter cabeça o suficiente pra raciocinar quaisquer umas dessas minhas dúvidas, eu já havia começado a sofrer por não estar dentro de muitos quesitos que sei lá porque foram chamados de “padrão”, e o mais difícil deles - e quem me conhece provavelmente vai pasmar - foi o meu cabelo.

    Eu não sei como que num lugar como o Brasil, em que nascem tantas cacheadas - e cacheados -, ainda se tem uma cultura que rejeita os cachos: ninguém sabe cuidar, ninguém sabe cortar, ninguém sabe o que fazer, e assim, quem sofre são pessoas como eu, que terminam carregando por duas décadas algo na cabeça que elas odeiam, e que não têm como se livrar, simplesmente porque nasceram assim.

    Pode parecer bobagem, mas eu tenho certeza que você não compra simplesmente qualquer roupa para andar pra todo lado, afinal, é a sua imagem, bom, com o cabelo também é questão de imagem, e o poder de escolha sobre ele é bem menor. Eu não conseguiria contar aqui o tanto de vezes que eu quase não saí de casa porque eu sabia que meu cabelo ia ficar armado, com cara de ressecado e todo desarrumado, e eu ia parecer uma palhaça, porque isso iria apenas se juntar à minha pele oleosa e cheia de espinhas, um pacote completo. Então eu recrutava minha tia para fazer tranças que não deixassem meu cabelo mexer um milímetro ou fazia prancha para todos os casamentos e aniversários de 15 anos, mas ainda assim me sentia insegura, e não vamos nem falar sobre o sofrimento durante viagens.


    Resolvi falar tudo isso porque vi essa foto no Facebook, e se essa situação tivesse acontecido com a Luana de 10 anos de idade, ela teria chegado em casa e passado a tarde chorando. Porque eu sabia bem que meu cabelo nunca ia ficar igual ao das meninas que formavam a maior parte da minha sala. E eu tinha toda a noção que meus cabelos mais se pareciam com uma bucha quando eles secavam amarrados no rabo de cavalo que eu era obrigada a usar todos os dias no colégio militar, e eu sabia que nunca poderia usar uma franja igual a todas as outras, por isso eu sei que se eu descobrisse que, além de eu naturalmente não me aceitar, o próprio colégio e a própria “tia” não me aceitavam e reconheciam como meu cabelo “era feio”, eu ia ter ainda mais asco da minha aparência, e ainda menos auto confiança.

    Minha mãe não tinha cabelos cacheados, minhas tias também não, minha avó havia desistido de deixar os cachos crescerem há anos e sempre fazia touca para alisá-los e não lidar com isso, minhas amigas cacheadas fizeram progressiva (e ainda bem que eu vi os resultados ruins, para me fazer desistir dessa ideia), eu não acreditava nas poucas pessoas de cabelo liso que chegavam a dizer “seu cabelo é tão bonito e o meus tão sem graça, nunca alise ele”, e as poucas celebridades que tinham cachos… Bom, eu não podia confiar nelas, elas tinham cabeleireiros 24 horas.

    Mas de uns 3 anos pra cá as coisas mudaram pouco a pouco, eu comecei a ver muito mais pessoas ~na vida real~ assumindo seus cabelos cacheados e conseguindo mantê-los lindos, como realmente são. Eram meninas na minha faculdade, eram blogueiras e youtubers que pareciam ser gente como a gente, e foram exatamente essas meninas que me fizeram desistir da ideia de desistir do meu cabelo. Eu já nem me importava, lambuzava de creme e torcia pra ele não “armar”, e se isso acontecesse, prendia, fim, eu não tinha esperanças que ele ficasse bonito. Mas esse ciclo foi mudando… Eu descobri que cabelos cacheados não devem ser cuidados e cortados da mesma forma que os lisos, e muita gente ignora isso, e descobri que meu cabelo podia ser curto - cabeleireira com olhar de desespero: “tem certeza que quer cortar tanto assim?” -, podia ser longo, podia ser mais claro nas pontas sem parecer a coisa mais ressecada do mundo… Ele podia ser qualquer coisa, mas principalmente: ele podia ser lindo e natural ao mesmo tempo.

   Foi apenas há poucos meses que eu desfiz para mim o mito de que cabelo cacheado precisa ser lavado todos os dias, senão ficava uma farofa, e essa era ainda uma das poucas coisas que me deixavam com o pé atrás com os cachos, e aos poucos eu fui descobrindo que eu não estava “em desvantagem” por não ter cabelo liso, fui aprendendo que Deus não quis me sacanear, colocando só características difíceis de se lidar no meu corpo. Não, eu tenho um cabelo completamente normal, que não precisa ser nem mais nem menos complicado do que qualquer outro.

   Eu não estou aqui para pregar que cabelo só é bonito se for totalmente natural, eu só quero dizer que todo mundo tem o direito de se achar incrível, de ser aceito e de se sentir seguro com o cabelo que quiser, natural ou modificado, tanto faz, mas a gente tem que sair o mais rápido possível dessa caixa que insiste em nos prender em um só tipo de bonito. E é por isso que eu estou aqui falando tudo isso: para pessoas que nem eu, que geralmente só aprendem quando veem o relato do outro, da vida real; e para alguém que talvez esteja lendo isso e ache que é simples demais ser “diferente”, seja lá o que diferente for.

Bisous,
Luana Rôla.

3 comentários:

  1. Own que lindo! Passei muito tempo sem aceitar meu cabelo na mesma situação Luana! Foi uma infância inteira com rabo de cavalo e muito creme! E como eu me sentia triste por isso! Me identifiquei bastante porque sofria muito com o cabelo, com o corpo gordinho... Era algo muito de fora pra dentro que fez crescer a dor de dentro pra fora. Esses últimos anos, de mudança e de aceitação, realmente está fazendo uma linda diferença na minha vida, na sua, e na te tantos outros e outras! Quase cai num outro padrão que contamina um pouco (infelizmente!) ainda nesses tempos de cachos perfeitos (já que o meu cabelo é ondulado, estava forçando o bichim a ser cacheado). Enfim! Viva a liberdade e beleza da diversidade!

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  2. É muito incrível saber que não estamos sozinhas nesses processos de mudanças (de dentro para fora e de fora pra dentro), mas ao mesmo tempo realmente dá medos de cairmos no oposto e entrar numa nova normativa de ditadura dos cachos, ou sei lá... Mas eu tenho muita fé que o mundo está se informando, espero que a gente esteja mais próximo de sermos pessoas que buscam o equilíbrio nos pensamentos <3

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  3. O desafio é ser mais do que os olhos vêem!
    O desafio é abandonar os rótulos e junto com eles os preconceitos!
    O desafio é encontrarmos o que temos em comum e relevar nossas diferenças!
    O desafio é amar, a começar pelo amor próprio!

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